Três décadas por um Opalão 1973


Muitos motivos para não ter um carro velho e um só para tê-lo
Texto: Mirna Bom Sucesso


“Porque nenhum modelo de gente, nem o dos santos, merece ser xerocado. Porque se fosse pra ser igual a outro cabra, Deus não ia perder tempo em colocar mais uma boca no mundo. E se você descobrir a tempo o que você é, o que você quer, bem lá no fundo do seu ser, tudo vai estar certo, até o errado”.A idéia não é original, mas escrito assim, acho que só o Dorival escreveu. Motorista particular há mais de 30 anos, ele nos enviou e-mail na noite de Natal para dividir sua conquista e dar uma sugestão para que os leitores do site também realizem um novo ou velho sonho em 2009.Do trator ao OpalaDorival começou a dirigir profissionalmente no início dos anos 1970. “O patrão pagou para eu tirar carteira. Até então eu só tinha pilotado trator na roça. Mas mesmo com a habilitação nas mãos, ele ficou meio cismado de me confiar seu Chevrolet Opala 1973”.A estréia foi um teste de fogo. Um dia, o filho do patrão de Dorival teve um desmaio. Sozinho na ocasião, o homem precisou da ajuda do funcionário para levar o rapaz ao hospital. “Com aquele carrão nas mãos, e tendo de pisar fundo, achei que iria parar no primeiro poste e mandar todo mundo pro hospital. Mas não. Confortável e ao mesmo tempo forte, não foi uma corrida, mas um vôo de rapina. Com todo respeito ao piripaque do rapaz, eu só conseguia pensar, sentir, respirar o Opala. Essa minha primeira vez vai ser pra sempre”, relata Dorival.Os vôos duraram alguns anos dourados, quando o Opala teve de ceder lugar ao Ford Mustang 4.6 GT V8. “Chorei como criança quando o patrão disse que ia trocar de carro. Não teve banco de couro ou rodas de liga leve que tirassem o Chevrolet do meu pensamento nem a nostalgia do meu coração. Coloquei na cabeça que teria um Opala igual aquele, ainda que levasse um século".Se dê motivosDepois de três longas décadas, Dorival conta que, finalmente, vai começar 2009 com um Opala 1973. “Passei todo esse tempo economizando dinheiro. Quando contei ao meu patrão que compraria um, ele me chamou de doido”. A conversa dos dois foi essa:Patrão: você pode usar meu carro quando quiser, por que vai gastar dinheiro com essa velharia?Dorival: melhor não ter o que é meu do que ter o que é do outro.Patrão: eu poderia ter ajudado você a comprar um carro popular.Dorival: de popular já basta o bonitão aqui.Patrão: as mulheres não vão olhar para um sujeito num Opala 1973.Dorival: só as sábias, doutor. Mulher que despreza Opala não entende de homem.Patrão: mas que hora você escolheu para uma extravagância. Olha a crise, Dorival, o aquecimento global.Dorival: excluindo os invejosos, a felicidade de um que não faz a tristeza de dois não deve satisfação. O Opala é só para amar; pra rodar na cidade, eu uso o seu flex.Patrão: Só quero seu bem. Tantos anos juntando seu sagrado dinheirinho... Por que gastar nisso?Dorival-Drummond: "há vários motivos para não se amar uma pessoa e um só para amá-la."Patrão: mas carro não é pessoa. O que há para amar em um velho Opala?Dorival: amor é treino, patrão, dá pra amar qualquer coisa. No Opala, eu amo a primeira vez.Patrão: Ah, Dorival, se você não existisse eu te inventava.Dorival: com a graça de Oxalá. Quem não é já está morto!Endosso as palavras de Dorival.


Seja qual for seu desejo para 2009, queira o que é de sua natureza. O resto faz mal.